26 de junho de 2018

50 anos da Passeata dos 100 mil: participantes lembram da sensação de engajamento na manifestação

Foto: Evandro Teixeira
Jornal do Brasil - CELINA CÔRTES

Era a manhã de 26 de junho de 1968, quando os estudantes já começavam a se espalhar pela vizinhança da Cinelândia, no Centro do Rio. As pessoas chegavam em blocos, que reuniam artistas, intelectuais, políticos, populares e até freiras. Antes foram organizadas várias manifestações estudantis, sob o trauma do assassinato à queima roupa do secundarista Edson Luís, quatro meses antes. Por alegadas razões humanitárias, a ditadura acabou autorizando a passeata organizada para aquele dia. A marcha começou às 14h na Avenida Presidente Vargas, com cerca de 50 mil pessoas. À frente, a faixa: “Abaixo a ditadura, o povo no poder”. Uma hora depois o número de participantes já havia dobrado. De uma forma pacífica, uma multidão esperançosa estava ali por acreditar em dias melhores. O que se viu, porém, foi a decretação do Ato Institucional nº 5 – o AI-5, em 13 de dezembro de 1968, que mergulhou o país nas trevas até1985, quando terminou a ditadura militar.

Cinquenta anos depois, o JB entrevistou alguns destes participantes, inclusive Vladimir Palmeira, o líder estudantil que trouxe consistência à passeata com seus inflamados discursos. A atriz Ana Maria Nascimento clareou as conexões entre o movimento estudantil e a classe artística, e a antropóloga Yvonne Maggie conecta um nascente movimento de mulheres que encontravam a liberdade nas manifestações, nas calças jeans.

Vladimir Palmeira, 73 anos, economista com doutorado em história, um dos fundadores do PT, hoje no PSB, professor de Economia na Facha

“Estava com 23 anos e presidia a União Metropolitana dos Estudantes (UME). Defendíamos mais verbas para as universidades e não admitíamos a privatização do ensino, como queriam os militares. E lutávamos contra a ditadura. A UME era uma entidade tipo sindicato, tínhamos um trabalho estruturado, éramos eleitos e discutíamos nossas propostas com os delegados que nos representavam. Como resultado, conseguimos manter o ensino gratuito nas universidades. Queriam matar a gente, mas naquela situação, em meio a cem mil pessoas, não senti medo e graças a Deus não me mataram, senão não estaria falando com o JB nesse momento. Para mim era normal falar, cada um que chegava ali falava o que quisesse, estava na margem de risco. Não senti medo e nem pensei nisso.

Ana Maria Magalhães, atriz, 68

“Tinha 18 anos na época. O teatro lutava contra a censura que criou um clima de insegurança e chegou a mexer na economia, mobilizando também os empresários. Até o clássico “Um bonde chamado desejo”, de Tennessee Williams, foi censurado. A diretora era Maria Fernanda, filha de Cecília Meireles, que se revoltou. Houve também o episódio “Oito do Glória”, quando oito intelectuais se manifestaram na frente do Hotel Glória contra a ditadura – entre eles Antonio Callado, Carlos Heitor Cony e Glauber Rocha -, durante uma conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA), com presença do presidente Castelo Branco. Foram todos presos. Tudo isso gerou uma mobilização muito forte na classe artística. Em fevereiro de 1968 houve uma greve de três dias na escadaria do Teatro Municipal e, no mês seguinte, a morte de Edson Luís. Eu estava na remontagem de “Duralex, Sedilex”, com Vianinha, no Teatro Opinião, houve uma grande comoção e fomos todos participar do evento de corpo presente na Assembleia. A classe estava muito engajada e a partir dessa morte houve uma indignação coletiva, com adesão da classe média, cujos filhos estavam sendo massacrados pela ditadura. Por isso aquela multidão, não achávamos que iria juntar tanta gente. Foi super emocionante, uma passeata densa, engajada.”

Cid Benjamin, jornalista e secretário municipal de Educação, 69 anos

“Na época eu era dirigente da UME e participei dos processos de mobilização. Havia um ciclo de manifestações diárias, organizadas para horários mais perto do almoço, porque se fossem de tarde teriam menor duração. Os jornais publicaram na manhã do dia 21 o que passaram os estudantes detidos no Campo do Botafogo. Fui jantar e vi as imagens ao vivo na TV da pancadaria da Sexta-Feira Sangrenta, verdadeira insurreição urbana. Passamos a trabalhar para promover uma grande manifestação, que envolvesse outros segmentos da sociedade, de sala em sala na universidade. A ditadura aprovou a passeata ‘por razões humanitárias’. Não teve repressão ou confusões, havia um clima de alegria, de festa, no sentido de que as pessoas estavam satisfeitas em participar daquele protesto. Em seguida acabou o ano letivo e houve uma trégua, e no segundo semestre caiu muito a participação estudantil.”

Yvonne Maggie, antropóloga, professora emérita da UFRJ, 73 anos

“Estudava Ciências Sociais e estava com 24 anos naquela época. Gilberto Velho, meu ex-marido, então meu namorado, me disse, ‘você não vai...’, assim como meus irmãos. Mas fui. Cheguei na esquina da Biblioteca Nacional e dei com aquele mar de gente. Pensei, ‘imagina se encontro Gilberto’, não deu outra. Ele tinha ido buscar nossas alianças e acabamos ficando noivos na passeata. Nos anos 60, 70, as meninas estavam construindo sua liberdade. Eu não era propriamente feminista, mas estar ali aguçava essa sensação de liberdade, assim como usar jeans, fumar maconha e usar pílulas anticoncepcionais, quando ainda não havia o HIV. Não estávamos ali por que os meninos estavam, fomos porque queríamos participar daquele momento inesquecível, de liberação do desejo. Depois daquilo só piorou, porém continuamos nossa busca em meio aos anos de chumbo que vieram depois do AI-5, em dezembro de 68.”

Carlos Zílio, artista plástico, 72 anos

“Estava com 22 anos e já tinha atividade como artista plástico em 1968. Estudava psicologia na UFRJ, onde atuava no diretório acadêmico e era diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade. Havia uma luta por mais verbas, mais vagas e melhoria do ensino público. E havia um descontentamento geral com a ditadura. Durante a passeata me lembro de um grande congraçamento, um sentimento de plenitude em todos os segmentos da população. Era como se exercitássemos radicalmente uma possibilidade do político, de tudo o que era cerceado. Abriu-se um clarão. Depois fiquei preso por dois anos e meio, foi um período muito difícil na minha vida.”

Ernandes Fernandes, arquiteto, 75 anos

“Tinha 25 anos e estava lá assim como ‘todo mundo’. Naquela época havia cinco universidades de arquitetura no país, hoje são mais de 100.  Todos estávamos voltados para o movimento social feito pelos estudantes e intelectuais. Não cheguei a ter uma participação mais ativa no movimento, inclusive sentia medo em à passeata, mas não tinha como não participar daquela onda, uma grande manifestação pacífica.

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